São Paulo, 19/07/2023 – O mercado de Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), que vinha crescendo de forma consistente nos últimos anos, deve encolher nos próximos 12 meses devido a mudanças promovidas pelo governo federal nas regras de direcionamento do dinheiro. O mercado já parou de oferecer o título a investidores na tentativa de se adequar ao novo regramento, segundo fontes ouvidas pelo Broadcast Agro. Na última semana de junho, a mesma em que o governo anunciou o Plano Safra 2023/24, o Conselho Monetário Nacional (CMN) confirmou que nesta temporada valerá a regra de destinar, do valor captado em LCAs por instituições financeiras junto a investidores, 50% obrigatoriamente ao setor rural, ante 35% até então.
O principal incômodo para parte do mercado financeiro é o fato de que dentro dos 50% a parcela que precisará ser emprestada por meio de Cédulas de Produto Rural caiu de 70% para 50%, enquanto a fatia a ser concedida por linhas de recursos livres que seguem o Manual de Crédito Rural (MCR) saiu de 30% para 50%. A medida, dentre outras anunciadas pelo governo, não só foi avaliada por mais de uma fonte do setor financeiro como “cavalo de pau” nas regras, como deve levar a um encolhimento do mercado de LCAs nos próximos meses.
“Todos os bancos deixaram de emitir (LCA) e estão tendo de produzir (emprestar) muito mais recurso livre (dentro do MCR) do que produziam para não incorrer em multa. Então a perspectiva que a gente tem é, sim, de uma retração do mercado de LCAs ao longo da safra”, afirmou uma fonte. “O primeiro efeito (das novas regras) é que não tem mais oferta de LCA, já está acontecendo”, disse outro interlocutor. “A mudança é praticamente um redutor do crescimento da LCA”, comentou uma terceira fonte. Em maio, o estoque de LCAs somava R$ 410 bilhões, 62% mais que os R$ 253 bilhões de um ano antes, de acordo com dados da B3 citados no Boletim Derop, do Banco Central.
A esperada contração do mercado de LCAs decorre de um efeito em cascata das mudanças nas regras relacionadas ao papel. Isso porque, antes de emitir uma LCA, a instituição financeira precisa do seu lastro, ou seja, fazer empréstimo que posteriormente permitirá remunerar o investidor da LCA. Isso significa que o banco ou cooperativa de crédito precisa ter emprestado “recursos livres” por linhas enquadradas no MCR que equivalham a 50% do dinheiro das LCAs que tem de ir para o agro, e não mais 30%. Também precisa ter financiado no mercado, por CPRs, valor correspondente aos outros 50% do recurso obrigatório das LCAs que vão para o setor rural.
Pelos cálculos de instituições financeiras, se até então para cada LCA emitida 10,5% do valor total do título tinha de ser aplicado desta forma em linhas de recursos livres do MCR, agora serão 25%, o que implica financiar montante 150% maior por esta via. Já a parcela de LCAs que terão de ser destinadas a CPRs pouco mudou, de 24% para 25% do valor total da LCA.
Como para efeito de cálculo do que precisa ser destinado das LCAs ao setor rural o BC toma por base o período de 1º de junho de um ano a 31 de maio do ano seguinte, as instituições financeiras entraram na safra 2023/24 “desenquadradas” pelas novas regras. Daí o movimento de interromper a oferta de LCAs, para não aumentar as obrigações relacionadas ao crédito rural recurso livre. “Até 29 de junho estávamos enquadrados no que determinava o BC. A resolução (do CMN) saiu no dia 30 de junho e descobrimos que estávamos desenquadrados”, disse uma das cinco fontes ouvidas pela reportagem.
“Vamos ter de fazer (emprestar) muito mais que o dobro de recurso livre, que o cliente (produtor rural) não quer porque paga IOF e tem muito mais regras. Sentimos uma interferência enorme no mercado livre”, afirmou uma fonte. “A ideia de os recursos do mercado ocuparem cada vez mais o agro não vai acontecer”, disse um segundo interlocutor. Emprestar por linhas de crédito livre do MCR também sai mais caro para instituições financeiras, que precisam fornecer um número maior de informações dos produtores ao Banco Central. “O custo operacional e de observância das regras aumentou”, continuou.
Outra queixa do mercado financeiro é a falta de sinalização do governo sobre as mudanças que estavam por vir. “Todo governo tem o direito de mudar regras. Mas poderia ter feito uma parte agora e avisar que vai continuar no ano que vem”, acrescentou uma das fontes. “O objetivo é claramente arrecadatório. Quanto menos LCA tenho no mercado, menos isenção fiscal eu tenho para o tomador (do papel)”, continuou esta fonte. “A CPR não tem o IOF que o crédito rural livre do MCR tem. Colocaram um freio na CPR porque estava tendo uma grande migração para as LCAs e CPRs”, acrescentou um terceiro entrevistado.
As fontes ouvidas veem também um esperado aumento dos custos, ou seja, das taxas de juros, para cooperativas de produção que quiserem se financiar por CPRs. Isso porque, nesta safra, CPRs emitidas por cooperativas não poderão servir de lastro para LCA. O mesmo já valia para agroindústrias no ano passado. “A CPR que atende a agroindústria continuará sendo um produto mais adequado para beneficiar essas operações, mas vai ficar mais cara. O preço do crédito aumentará para esse público”, afirmou um interlocutor.
Apesar da redução do mercado de LCAs, uma das fontes avalia que os estoques de CPR continuarão crescendo porque, mesmo ficando mais caro tomar crédito pelo papel, ele ainda será mais vantajoso do que linhas de capital de giro, tanto para produtores rurais ou para cooperativas, revendas de máquinas ou agroindústrias. “A necessidade do cliente não mudará, simplesmente o custo financeiro para as empresas da cadeia produtiva do agro ficou maior”, afirmou um dos entrevistados.
Por Clarice Couto – clarice.couto@estadao.com
BroadcastAgro – 19/07/2023