São Paulo e Brasília, 19/01/2023 – Insatisfeita com o desmembramento do Ministério da Agricultura para recriação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e da Pesca, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) se prepara para uma batalha no Congresso a fim de modificar pontos que desagradam ao setor na Medida Provisória da reformulação ministerial. A principal divergência da bancada ruralista com o governo Lula é em relação à saída da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) da gestão da Agricultura para o MDA – mudança que os parlamentares ainda buscam reverter, conforme apurou o Broadcast. Também está causando burburinho a extinção do Departamento de Promoção do Agronegócio do Ministério de Relações Exteriores, cujo retorno está sendo articulado pela FPA.
A MP foi assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 1° de janeiro. A ampliação no número de pastas foi necessária para acomodar aliados e afagar os anseios do PT por ocupar os principais espaços na Esplanada, além de endereçar causas ligadas ao partido, como a reforma agrária, e contemplar promessas de campanha, como a recriação da Pesca.
Mesmo assim, a avaliação é de que o petista vai passar por um longo teste com os parlamentares para manter de pé as estruturas que propôs. Isso porque, mesmo que tenha distribuído pastas a partidos, há reclamações nos bastidores, entre as bancadas, especialmente de deputados, de não terem sido contempladas. No caso da Agricultura, o próprio setor produtivo está insatisfeito com as mudanças na pasta, o que é visto como um fator adicional de pressão aos parlamentares.
Apesar de editada em 1° de janeiro, a MP só vai começar a tramitar em fevereiro, quando o Congresso inaugura o ano legislativo, e tem 60 dias para ser votada – prorrogáveis por mais 60. Até lá, o governo já deverá ter conseguido fazer alguns testes de sua base aliada e acomodações. Como uma das mais influentes e com mais de 300 votos no Congresso, entre deputados federais e senadores, a bancada ruralista tentará impor algumas condições para aprovação do texto.
Mesmo com as pressões, o Broadcast apurou que não há expectativa de alterações na estrutura de primeiro escalão do governo – ou seja, redução ou aumento do número de ministérios. Mas os ruralistas tendem a vincular seu apoio à MP às mudanças que pleiteiam no segundo escalão, a começar pela Conab, mesmo que não seja assunto da proposta. “Precisamos de maioria dentro da bancada, mas se for a necessidade, podemos votar contra toda a MP. Talvez esse seja o caminho”, disse um senador vinculado à bancada à reportagem.
A reestruturação no Ministério da Agricultura, incluindo a mudança da Conab, se deu por meio de decretos do governo, válidos a partir de 24 de janeiro e não passíveis de alteração na MP. Contudo, podem ser alvos de Projeto de Decreto Legislativo (PDL) – que não necessitam da sanção presidencial. “A ideia é ter a barganha da aprovação da MP pela retirada do governo dos decretos. Caso contrário, a bancada deve não votar favorável à MP”, afirmou um deputado federal ruralista.
O futuro presidente da FPA, deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), que assume a bancada em 1º de fevereiro para o biênio 2023/2024, disse ao Broadcast que a posição da bancada é da permanência da Conab sob o guarda-chuva do Ministério da Agricultura. Ele antecipou que, caso não haja comum acordo com o governo, a bancada estuda apresentar um PDL para sustar parte da MP e/ou derrubar o decreto presidencial, ou ainda apresentar emenda à MP. “Assim que iniciar o ano legislativo, viabilizaremos alguma forma de reversão para a Conab, a não ser que venha uma solução do próprio governo. Precisamos que a Conab fique dentro da Agricultura para fazer política agrícola e de abastecimento. O MDA virou puxadinho de movimento e isso me preocupa muito, assim como a agricultura familiar que pode ser prejudicada”, criticou Lupion.
Segundo ele, a frente tem tratado do tema com o próprio ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. “Ele também está preocupado e tem conversado com o presidente Lula sobre o assunto, como a possibilidade da criação de um agência de inteligência agropecuária aos moldes do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA)”, acrescentou o parlamentar.
Ex-presidente da frente e próximo coordenador da Comissão de Política Agrícola, o deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS) é mais um crítico da mudança da Conab e argumentou que a política de controle de estoques, da alçada da estatal, deve ficar sob o arcabouço da Agricultura. “Cada vez que precisarmos fazer leilão de compra ou contar com a Conab para fornecer produto quando a produção for menor, teremos de recorrer a outro ministério. A Conab faz toda a política de organização de suprimentos e controle de compra e venda de recursos e volumes, sendo um órgão importantíssimo para a Agricultura, assim como a Embrapa para que possa ser uma estrutura de política agrícola permanente”, afirmou à reportagem.
Além da volta da Conab para a Agricultura, a FPA também deve incluir entre seus pedidos o reforço de estruturas do Ministério da Agricultura, como da Secretaria da Defesa Agropecuária, que teve cargos rebaixados e perdeu algumas posições. Com os cortes e desmembramento, o Ministério da Agricultura ficou com uma estrutura 30% menor – houve uma redução de 2.091 de cargos em comissão e funções de confiança para 1.473.
Os parlamentares também não concordam com a retirada de toda a área de abastecimento dos cuidados do Ministério. “Somos contra o abastecimento sair do ministério da Agricultura, O MDA é da reforma agrária e não é focado em agro, não havendo espaço para abastecimento. Vamos ver os desdobramentos, mas não ficaremos quietos”, acrescentou Lupion.
Sobre o departamento de agro do Itamaraty, Lupion relatou que tem conversado sobre o tema com o ministro da pasta, Mauro Vieira, e que o chanceler estaria disposto a encontrar uma solução “em conjunto” com a bancada. “Íamos também apresentar um PDL, mas o próprio ministro foi solícito e nos contatou. Ele disse que a extinção do departamento não afetará a política de incentivo e fomento do Itamaraty ao agro”, afirmou o deputado. “Importante ressaltar que a pasta é de extrema importância para o desenvolvimento do setor agropecuário nacional, para as articulações internacionais e abertura de novos mercados e, por último, para a conscientização do mercado externo sobre a qualidade e origem dos produtos brasileiros”, diz uma nota divulgada pela FPA.
Orçamento
Outro tema que preocupa a bancada ruralista e que pode ser alvo das tratativas é o orçamento do Ministério da Agricultura para este ano. Alguns parlamentares acreditam que possa haver espaço para reajuste dos recursos ofertados à pasta ainda em 2023. “A frente, como instituição, deve lutar para que a Agricultura tenha maior estrutura possível. Mas, mais importante que estrutura, é a pasta ter orçamento. Na PEC, foram remanejados R$ 10 bilhões para a cultura e R$ 1 bilhão para agricultura, o que significa menosprezo para o setor econômico mais importante do País. A cultura não dá resposta econômica com a mesma rapidez da agricultura e o que vemos é desestruturação do ministério e pouca importância na destinação dos recursos”, defendeu Moreira.
Por Isadora Duarte, Débora Álvares e Iander Porcella – isadora.duarte@estadao.com; iander.porcella@estadao.com; debora.alvares@estadao.com
BroadcastAgro – 20/01/2023