O ex-ministro da Agricultura Alysson Paolinelli e Cesario Ramalho da Silva, respectivamente, presidentes executivo e institucional da Abramilho, foram destaques em reportagem da “Agência Estado”. Na matéria, os dirigentes falam sobre a conjuntura e o cenário estrutural para o milho em relação à produção, ganhos de produtividade, oferta, demanda, abastecimento interno e exportações.
Confira a íntegra:
GRÃOS: POSSÍVEL RETIRADA DA TARIFA DE IMPORTAÇÃO PREOCUPA PRODUTORES
Por Leticia Pakulski
São Paulo, 08/09/2020 – Produtores de soja, milho e arroz estão preocupados com a possível retirada temporária das tarifas de importação para esses produtos, que vem sendo sinalizada pelo governo desde o mês passado e poderá ser avaliada no fim desta semana. A possibilidade de inclusão temporária do arroz, do milho e da soja na Lista de Exceção à Tarifa Externa Comum (LETEC) está “em análise técnica” no âmbito da Secretaria Executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex), segundo o Ministério da Economia. A pauta das reuniões Comitê-Executivo de Gestão (Gecex), núcleo executivo colegiado da Camex, não é divulgada antecipadamente, mas existe a expectativa de que o pleito possa ser analisado na próxima reunião, prevista para ocorrer em videoconferência na sexta-feira (11), com prazo para decisão até o dia 14.
Para o presidente executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), Alysson Paolinelli, a discussão é delicada. Ele defende o livre mercado, mas lembra que concorrentes do Brasil subsidiam a agricultura. “De vez em quando temos que estudar isso e fazer uma proteção para pelo menos igualar o subsídio que estão dando com tarifas correspondentes. No caso específico do milho, os 8% (tarifa de importação) que colocamos aqui são muito inferiores ao que estão subsidiando nos EUA e na Europa; na China não tem como medir, mas a gente sabe que tem subsídio, direto ou indireto”, aponta. “O Brasil, naturalmente, tem que ter um certo cuidado.”
Na semana passada, em reunião por videoconferência da Câmara de Entidades e do Grupo de Trabalho do Milho (GT do Milho) da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o presidente institucional da Abramilho, Cesario Ramalho da Silva, ouviu das indústrias de carnes preocupação com o preço elevado do cereal, mas ele pondera que, provavelmente, haverá aumento da produção na safra 2020/21. “O milho tem um momento de mercado aquecido e preços remuneradores. Isso significa que devemos crescer mais no ano que vem, porque a lavoura vai compensar. Tem investimento e vamos aumentar a produção”, afirma. O representante também defende uma intensificação das aquisições antecipadas de milho por parte dos compradores internos. “Para a soja que vai ser colhida em 2021, 50% a 60% da produção está vendida. No milho precisava ter compras futuras mais firmes”, disse.
Ainda assim, produtores e consumidores se propuseram a “trabalhar conjuntamente” para dimensionar estoques, necessidades de milho para consumo interno e perspectiva de exportação em 2020. Segundo Ramalho da Silva, a possibilidade de retirada temporária da tarifa de importação de países fora do Mercosul não foi debatida no GT do Milho e os produtores tampouco fecharam uma posição contrária à medida, mas avaliam que ela precisa ser analisada com cuidado, uma vez que o Brasil já tem a possibilidade de trazer milho do Mercosul. “Do Paraguai, o Brasil já vem comprando, especialmente Santa Catarina e Paraná.” Segundo ele, só não está ocorrendo o mesmo com o milho da Argentina neste momento porque ele chegaria aqui a um valor igual ou mais alto do que o brasileiro.
Para Paolinelli, são necessários incentivos para que a produção de milho aumente ainda mais no País. “A demanda internacional vai ser crescente. Temos que produzir mais 10% por ano até 2050; neste ano produzimos 6% a mais. Tinha que ter mais estímulo”, afirma. Ramalho da Silva defende financiamentos de longo prazo para melhoria das terras a fim de elevar a produtividade. “Buscamos sair de 4.800 quilos por hectare e chegar perto dos patamares dos EUA, que fazem 12 mil quilos por hectare.” Paolinelli pondera ainda que a retirada temporária de tarifas, se autorizada, tende a durar poucos meses e pode conter a intensidade de alta de preços, mas não impedir uma valorização. “O estoque vai ficar baixo mesmo com a safra de inverno tão boa. Por isso defendo muito a irrigação para fazer três safras de milho; essa para mim é a grande saída.”
O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Bartolomeu Braz Pereira, avalia que a possibilidade de retirada de tarifas de importação “não vai equilibrar nada”. Para o representante, a medida é um pleito da indústria de proteína animal, mas poderia ser evitada com melhor planejamento de suprimento. “O que nós colocamos é que as venda para as safras 2021 e 2022 estão abertas. Sugerimos que a indústria brasileira entre no mercado e faça as suas compras como qualquer outra empresa mundial”, disse. “A produção brasileira é uma das maiores do mundo, falta só planejamento para que eles possam ter esse produto aqui.”
Segundo Pereira, uma eventual redução das tarifas pode ter um impacto psicológico sobre os preços do milho, que acabou de ter sua segunda safra colhida. “A indústria vai querer se aproveitar disso e tentar jogar os preços para baixo. Eu vejo isso como desnecessário até porque o que está fazendo o preço subir é o dólar”, aponta. “Se vier produto de fora, ele vai chegar com preço alto aqui, não vai mudar muita coisa. São commodities agrícolas; estão trocando seis por meia dúzia”, enfatiza.
A Federação das Associações de Arrozeiros do Estado do Rio Grande do Sul (Federarroz) informou em nota na semana passada que a retirada temporária da tarifa para o arroz importado de países de fora do Mercosul foi tema de reunião da Câmara Setorial do Arroz. Segundo a nota, no encontro virtual, que teve representantes de produtores, indústrias, cooperativas e governo, a medida teve 16 votos contrários e seis favoráveis, além de uma abstenção.
Em comunicado anterior, a Federarroz havia manifestado “a mais absoluta e total contrariedade” ante a possibilidade de retirada das tarifas de importação. “Inexiste risco ao regular abastecimento de arroz ao mercado consumidor”, diz a entidade. Segundo a federação, a medida poderia causar “prejuízos e falta de competitividade” para indústrias de pequeno porte e cooperativas. A nota ressalta ainda que os preços ao produtor do arroz são, após anos de prejuízo, remuneradores, mas o arroz ofertado ao consumidor no varejo “se revela acessível a todas as classes sociais”.