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Além da estiagem, cotação da soja foi impactada pela retaliação da China aos EUA
Após sucessivas safras recordes de grãos, os agricultores gaúchos voltaram a ver, neste ano, a sua produção encolher. O fato não causa surpresa, afinal, considerando as previsões climáticas, as estimativas iniciais já davam conta da queda. O que pouca gente esperava, porém, era o aumento acentuado no preço dos grãos, fenômeno que se consolidou nas últimas semanas graças a fatores externos e que pode, de certa forma, aliviar as contas dos produtores mais afetados pela quebra.
Mesmo antes do plantio, o cenário já se desenhava de produção menor no Estado nesta temporada. A Emater-RS, por exemplo, previa uma queda de 10,1% na produção das principais culturas do Estado. Já a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) estimava, em seu relatório anual, uma redução de 6,3% na quantidade produzida na safra 2017/2018. O cenário de quebra se confirmou gerando uma espécie divisão no território gaúcho: enquanto a Metade Norte, tradicional zona de grãos, colhe com bons rendimentos, na Metade Sul a estiagem compromete fortemente a colheita.
A falta de chuvas que acomete a região, entretanto, aflige de forma ainda mais impactante a Argentina, um dos maiores produtores de grãos no mundo. A frustração na safra dos vizinhos é um dos fatores que mais influencia a alta dos preços dos alimentos nas últimas semanas. “Não se explica tudo por um movimento só, e sim dentro de uma perspectiva mais ampla. O início, porém, se deu com as perdas da Argentina, que pegou muito forte a soja e o milho”, analisa o economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz.
No caso específico da principal cultura gaúcha, a soja, outro fator também impactou fortemente nas cotações: o anúncio da China de que taxaria em 25% a soja norte-americana em retaliação ao embargo de produtos chineses decretado pelos Estados Unidos. Automaticamente, se elevou também o prêmio pago à soja brasileira nos portos, aumentando o valor recebido pelos produtores.
A tendência de alta é acompanhada pelo levantamento semanal de preços recebidos pelos agricultores realizado pela Emater-RS. Em meados de março, por exemplo, a saca de soja rendia em média ao produtor R$ 69,58, segundo a entidade, valor semelhante ao visto um ano antes (R$ 68,58). No fim do mês, o valor ainda era semelhante, de R$ 70,75. Na semana passada, entretanto, já batia em R$ 76,98.
A alta é explicada, ainda, pela questão cambial. Eventos como o conflito na Síria e as incertezas de investidores estrangeiros com a situação política brasileira são apontados por Luz como motivos para que a cotação do dólar tenha mudado de patamar, saindo da casa dos R$ 3,20 para os R$ 3,40 no último mês, beneficiando também os agricultores na hora da conversão dos recursos do grão exportado.
Entre todos os disparadores do preço, há uma coisa em comum: o produtor gaúcho não tem controle algum sobre eles. Alguns efeitos já estão consolidados, como os causados pela quebra na safra argentina, mas, de resto, tudo pode mudar – e os preços, consequentemente, começarem a cair. A recomendação da Farsul é de que os agricultores aproveitem a situação, e não fiquem à espera de novos aumentos que podem não se concretizar. “Sugerimos aos produtores que aproveitem para fazer média de preço. Nunca vai vender no ótimo, mas vai vender sempre no bom”, comenta Luz.
O preço alto é visto como um alento para os produtores da Metade Sul do Estado, onde muitos viram sua plantação murchar com a falta de chuvas. “Esses preços nunca recuperam a produtividade. Servem de estímulo, mas não determinam a satisfação do produtor, que planta para colher bastante”, comenta o assistente técnico estadual da Emater-RS, Alencar Paulo Rugeri. Já o economista da Farsul ressalta que, para muitos agricultores que vislumbravam não cobrir nem os custos de produção, o aumento pelo menos ajuda a equilibrar as contas. “Vai ficar difícil, mas poderia ser impossível. O preço ameniza os impactos”, defende Luz.
Milho em elevação deve incentivar plantação, mas preocupa criadores. Afetado pelos mesmos fatores da soja, com exceção da briga entre chineses e norte-americanos, o preço do milho também atingiu novos níveis nas últimas semanas. Pelo levantamento da Emater-RS, os produtores gaúchos passaram de R$ 29,97 recebidos, em média, por saca do cereal em meados de março, para R$ 34,31 na semana passada. Ambos acima dos valores do ano passado, que nessa época oscilavam em torno de R$ 24,00.
A situação só não é melhor para o produtor gaúcho porque, como o preço da saca vinha baixo, a área plantada de milho nesse ano encolheu – o último levantamento do IBGE dá conta de uma redução de 14,2% em relação aos hectares plantados na safra passada. “Já vemos o produtor no Estado com tendência de plantar mais milho, porque sabe da necessidade de fazer rotação e não fazia por causa do preço”, projeta o assistente técnico estadual da Emater-RS, Alencar Paulo Rugeri.
Até lá, entretanto, a preocupação maior fica por parte do outro lado da gangorra histórica do produto: a dos criadores de animais. “Para os produtores de carne e leite a tendência é ficar pior, pois sobe o custo da ração. Já estamos prevendo um problemaço para esses”, analisa o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado (Fetag), Carlos Joel da Silva. Na bovinocultura da Metade Sul a situação se agrava, segundo Joel, porque a estiagem comprometeu também a pastagem, aumentando a importância da ração. “Esses aumentos (na soja e no milho) têm nos impactado significativamente e entramos em um período preocupante, porque não conseguimos repassar a elevação aos consumidores”, argumenta o diretor executivo do Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos do Estado (Sips), Rogério Kerber. Mesmo assim, o diretor ressalta que não espera chegar ao ponto visto em 2016, quando a importação de milho bateu recordes por conta, pois os estoques internos agora são maiores. Como o valor pago à carne não acompanha a alta no mercado internacional, a expectativa é de redução nas indústrias, se não nos abates, no peso médio dos animais abatidos. “O que é normal em situações desse tipo. Temos que tomar medidas, e essa é uma tendência”, projeta Kerber.
Fonte: JORNAL DO COMÉRCIO