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Em um armazém na principal região agrícola do Brasil, o produtor Rafael Bilibio observa caminhões se enfileirando para descarregar milho no chão, a céu aberto, ao lado de enormes silos de armazenagem. Seu próprio milho, pronto para ser despejado de um caminhão de 50 toneladas que acabou de chegar, está destinado a se unir ao monte, que já alcança cerca de 20 metros de altura, uma vez que os silos continuam cheios da soja colhida este ano no Estado do Mato Grosso. “Pela primeira vez na história, produtores aqui vão empilhar uma colheita em cima da outra”, disse Bilibio, que cultiva cerca de 4.700 hectares de soja e milho perto de Vera, no médio-norte do Estado. Do Iowa à China, anos de safras recordes e baixos preços têm sobrecarregado armazéns de milho, trigo e outros alimentos básicos. A situação está pressionando a renda dos produtores e tornando mais difícil para tradings como a Archer Daniels Midland e Bunge obterem lucros.
Mas o Brasil, maior exportador mundial de soja e o segundo em milho, atrás dos Estados Unidos, vê os grãos se amontoarem por causa da segunda safra do cereal, que historicamente é uma cultura de rotação. A segunda safra de milho, ou “safrinha”, foi tão grande neste ano, e os preços estão tão baixos, que os produtores não tiveram outra opção senão deixá-la exposta ao tempo. No Mato Grosso, a grande colheita tornou as opções para rmazenagem permanente ainda mais limitadas, uma vez que parte da produção recorde de soja ainda está nos silos enquanto produtores aguardam uma recuperação dos preços.
O acúmulo demonstra os problemas de infraestrutura na maior economia da América Latina, onde os crônicos gargalos logísticos foram piorados pela recusa de produtores a vender sua produção em meio à queda nos preços, com efeitos diversos. Os estoques do Brasil foram ainda aumentados pela safra extra de milho que seu clima permite, e que deverá alcançar 66.6 milhões de toneladas neste ano, de um total de 97.2 milhões de toneladas. Produtores dizem que os estoques de grãos podem ainda estar lá quando a próxima colheita de soja acontecer em janeiro, enquanto os volumes de passagem para as duas commodities terminarão a temporada em máximas recordes, segundo estimativas do governo e setor privado. A decisão de reter a soja ocorre em outros lugares do País, com os preços locais da soja cerca de 23% mais baixos, a R$ 69,00 por saca, em relação a agosto de 2016, segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (IMEA).
A relutância dos produtores em vender enxugou as margens de empresas como ADM e Bunge no último trimestre, uma vez que as tradings de grãos tiveram que pagar mais que o esperado pela soja para honrar compromissos. “Eu venderia minha soja se os preços alcançassem R$ 62,00 por saca”, disse Cayron Giacomelli, outro produtor do Mato Grosso. Houve ofertas de R$ 55,00 na sua região, e ele ainda guarda de 15% a 20% da soja colhida na safra atual.
SOLUÇÃO RÁPIDA?
Em dois armazéns próximos das cidades de Sorriso e Lucas do Rio Verde, o milho empilhado à céu aberto daria para alimentar algo como 108.000 porcos por um ano. Cerca de 3% do milho deixado fora pode ser perdido, segundo o presidente da associação de produtores Aprosoja, Endrigo Dalcin, mas o atual clima seco reduz as chances de o produto estragar. As montanhas de grãos são um testemunho da falta de silos em Mato Grosso, onde o déficit de armazenagem é estimado em 39 milhões de toneladas, disse a Aprosoja. Sendo assim, alguns produtores estão recorrendo a uma solução rápida e comum na Argentina: os chamados “silos-bag”, que consistem de longos revestimentos de plástico para estocar produtos no campo e protegê-los da chuva e do vento.
Maria Amélia Tirloni, que cultiva 5.500 hectares de milho e soja em Tapurah, disse que os problemas de infraestrutura do Estado coloca os produtores no Brasil em desvantagem. Além da distância entre fazendas e mercados consumidores, ela diz que as estradas são ruins e insuficientes. “A questão de armazenagem também torna produtores reféns de taxas de frete abusivas durante a colheita”, disse Tirloni. Tapurah, que fica longe da ferrovia, depende de caminhões, os quais frequentemente rodam mais de 2.100 quilômetros até o porto. Seja como for, os produtores terão que arranjar espaço para sua próxima safra de soja, plantada em setembro e colhida em janeiro, quando fortes chuvas poderiam colocar sua grande produção em risco. Com o milho da segunda safra, o Brasil aumentou exportações entre esses meses, mas restam dúvidas sobre se os produtores serão capazes de mover toda sua produção agora. “Essa situação pode afetar a próxima safra de soja se o milho não for vendido”, disse Dalcin. “Estamos preocupados com a falta de espaço.”
Fonte: REUTERS